Mensagens e áudios nos foram encaminhados, questionando dispositivo (parágrafo) de cláusula que consta do contrato de prestação serviços educacionais, afirmando ser leonina. Assim, o presente parecer vem esclarecer o mencionado parágrafo.
Primeiramente, informamos que o parágrafo destacado em vermelho está complementando o parágrafo anterior, de modo que a leitura não pode ser feita de forma isolada.
Considerando a remissão nele contida, se verifica que foi disposto no contrato o dever dos responsáveis pelos menores quanto a observar o protocolo de segurança e higiene da escola, bem como tomar os devidos cuidados e não adentrar, nem conduzir à escola um aluno que esteja contaminado ou com sintomas de Covid-19.
Eis o que dispõe a referida cláusula:
(…) Parágrafo Oitavo – O CONTRATANTE deverá seguir todas as normas do Poder Público e ainda os Protocolos para retorno às aulas, não podendo frequentar as Instalações físicas da Contratada se estiver com qualquer dos sintomas da Covid-19, ou entrado em contato com pessoa infectada pela covid-19 ou com suspeita de estar infectada, nos termos estabelecidos nos referidos Protocolos. Nesse caso será inserido no Regime de Aulas Não Presenciais.
Parágrafo nono – Caso o CONTRATANTE infrinja a norma acima, inclusive os Protocolos de retorno às aulas, terá o contrato de matrícula suspenso e deverá indenizar a ESCOLA, ou demais estudantes, docentes, técnicos-administrativos e terceiros pelos danos materiais e morais que forem ocasionados. (G.N.)
Em que pese a adoção de todos os devidos cuidados, as pessoas ainda podem se contaminar, mas não são esses os casos dispostos no trecho destacado do contrato, e sim, os casos em que os responsáveis, desprovidos de boa-fé, infrinjam o disposto no parágrafo oitavo e exponham a comunidade escolar ao risco de contágio, em que pese tenham verificado a existência de sintomas ou mesmo o diagnóstico positivo da doença em seu núcleo familiar.
Há um dever inclusive extracontratual, inerente a todos, de observar as medidas sanitárias, para si e em prol da coletividade, conforme determinação das autoridades competentes, previsto em disposições legais. Destaca-se, dentre elas, o Decreto Municipal 47.488/2020, art. 16, inciso VII:
Art. 16. Para efeito do disposto no art. 15, constituem-se como “Regras de Ouro”, dentre outras
(…) VII – restrição de acesso às dependências dos estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviço, de clientes e colaboradores em estado febril ou com sintomas de contaminação;
Nesse diapasão, o MEC recomenda que as escolas estabeleçam normas protocolares “se não estiver se sentindo bem, fique em casa” para os membros da comunidade escolar. Sendo assim, é de suma importância que toda a comunidade escolar tenha ciência de que não cabe apenas ao estabelecimento de ensino observar as regras de ouro e os cuidados para a prevenção ao contágio da doença.
Portanto, a disposição do parágrafo nono da cláusula contratual trata da hipótese em que o contratante frequenta as instalações da escola, mesmo estando contaminado ou com os sintomas, ou em contato direto com pessoa contaminada ou com suspeita que esteja contaminada. Nesse caso, o responsável se dispõe de forma consciente a arriscar a saúde e até a vida dos demais alunos e funcionários da escola.
O contratante que tem ciência da contaminação ou suspeita de contaminação, e adentra na escola, ou conduz o educando à escola, estará expondo os demais ao risco de contágio, acarretando em suspensão de toda a sala de aula, em quarentena por catorze dias. O educando contaminado pode infectar outro colega, e este, seu núcleo familiar, composto diversas vezes por pessoas idosas ou portadoras de doenças pré-existentes, pertencentes ao grupo de risco.
Logo, o referido parágrafo disposto em contrato trata claramente do contratante de má-fé, que ignora o direito da coletividade, sendo, nesse caso, possível conduzir em juízo uma ação indenizatória por aquele que se sentir prejudicado.
Assim, a cláusula vem resguardar a escola de possíveis ações que visem indenizações, colocando o responsável que usou de má-fé no centro da questão, trazendo a ele o dever de indenizar. Infelizmente, nem todas as pessoas estão comprometidas com seus deveres para com a sociedade nesse momento pandêmico, o que se verifica diariamente nos noticiários.
Cumpre informar que participamos de grupos de dirigentes escolares e de palestras de direito educacional, e tivemos ciência de casos de má-fé, ocorridos esse ano, em escolas que são nossas parceiras.
Alguns pais, após o retorno presencial às aulas, levaram os filhos contaminados e sintomáticos para as escolas, sob o argumento de que precisavam trabalhar, o que obriga as escolas a se posicionarem para proteger a coletividade e não permitir o ingresso a instituição.
Cientes dessas e outras ocorrências, e com intuito de resguardar nossa comunidade escolar, as disposições grifadas no contrato servem como um alerta ao responsável que não valoriza o cumprimento das regras de ouro e do protocolo da escola, e se propõe ao risco de contaminar outros educandos, gerando danos a coletividade. Assim, o dispositivo contratual ressalta a obrigação extracontratual de todos os envolvidos no processo educacional e consequentemente, se for o caso, o deve de indenizar aqueles que se sentirem prejudicados.
A escola com esse dispositivo se resguarda quanto a possíveis ações de indenização que possa envolve-la, levando aos responsáveis que agirem de má-fé um aviso de que eles poderão figurar no polo passivo dessas demandas.
Por: Drª Samara Moser – Advogada Associada da Ricardo Furtado Sociedade de Advogados – 30/11/2020
Leia também: Liminar autoriza retorno das aulas presenciais em Niterói