NOTA TÉCNICA 202014 – CDPCD/CIJ/CONDEGE/ANADEP
ASSUNTO: Projetos de Decreto Legislativo n.º 427/2020, 429/2020, 430/2020, 431/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020, 436/2020, 440/2020, 445/2020 e 449/2020 todos da Câmara dos Deputados, e 437/2020 e 437/2020 do Senado Federal, todos com objetivo de sustar os efeitos do Decreto nº 10.502 de 30 de setembro de 2020 que “Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”.
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP, representante de mais de seis mil defensoras e defensores públicos estaduais e distritais das 27 unidades da federação, bem como responsável pela promoção e proteção de direitos de milhões de pessoas em situações de vulnerabilidades, por meio da Comissão dos Direitos da Pessoas com Deficiência e da Comissão da Infância e Juventude no uso de suas atribuições estatutárias, com fundamento no Artigo 2º de seu Estatuto, inciso IV, do seu Estatuto, tendo por uma de suas finalidades institucionais “colaborar com os Poderes constituídos no aperfeiçoamento da ordem jurídica, fazendo representações, indicações, requerimentos ou sugestões à legislação existente ou a projetos em tramitação”, e o CONDEGE – Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, associação civil de âmbito nacional que funciona como órgão permanente de coordenação e articulação dos interesses das Defensorias Públicas existentes no Brasil:
Considerando a expertise da ANADEP e do CONDEGE na temática dos direitos das pessoas com deficiência e a necessidade de contribuir com a pauta apresentada, RESOLVE apresentar Nota Técnica relativa aos Projetos de Decreto Legislativo n.º 427/2020, 429/2020, 430/2020, 431/2020, 432/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020 e 436/2020 da Câmara dos Deputados e o Projeto de Decreto Legislativo n.º 437/2020 do Senado Federal, todos com objetivo de sustar os efeitos do Decreto nº 10.502 de 30 de setembro de 2020 que “Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”.
COMENTÁRIOS: Os decretos legislativos são intervenções legislativas aprovadas pelos parlamentos que não precisam passar pela sanção do chefe do Poder Executivo.
O artigo 49, inciso V, da Constituição Federal atribui ao Legislativo Federal a prerrogativa de sustar atos normativos do Executivo que exorbitem do seu poder regulamentar, o que somente pode ser feito por decreto legislativo.
1. INTRODUÇÃO
Os Projetos de Decreto Legislativo n.º 427/2020, 429/2020, 430/2020, 431/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020, 436/2020, 440/2020, 445/2020 e 449/2020 da Câmara dos Deputados e os Projetos de Decreto Legislativo n.º 437/2020 e 441/2020 do Senado Federal foram apresentados por deputados e senadores de diversos partidos, alguns por bancadas inteiras, com o objetivo de sustar os efeitos do Decreto nº 10.502 de 30 de setembro de 2020 que “Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”.
Conforme se passará a demonstrar, os projetos devem ser aprovados, considerando que o Decreto nº 10.502/20 viola a Constituição Federal de 1988, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
2. DO MÉRITO
2.1. Da garantia de acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Sendo, pois, direito de todos, por evidente, a educação também é um direito das pessoas com deficiência.
Ademais, o art. 206, I, da Lei Maior, prevê como um dos princípios do ensino a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Nessa linha, especificamente quanto às pessoas com deficiência, enuncia o art. 208, III, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
COMENTÁRIOS: o vocábulo preferencialmente quer dizer: ato de preferir, ou seja, é o mesmo que um ato ou ação de preferir, dar a primazia a; determinar-se por; escolher. Assim, não há um dever, uma obrigação da escola regular em garantir a educação especial que é uma modaidade de ensino conforme a Lei 9394/96.
Vê-se, assim, que a Constituição da República expressamente já adotava desde 1988 como modelo de ensino preferencial para as crianças e adolescentes com deficiência a educação inclusiva, isto é, na rede regular de ensino.
O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Lei n.º 8.069/90, reproduz em seu art. 54, III, esse último dispositivo constitucional. Ademais, prevê, em seu art. 55 que os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino e o não cumprimento desta obrigação pelos pais pode ensejar a aplicação do art. 98, II, resultando numa medida de proteção pela autoridade competente, prevista no art. 101, III, qual seja, de matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental, entre outras medidas.
COMENTÁRIOS: Como podemos entender o que vem a ser ensino regular na Constituição Federal? Uma das formas de entender o que é ensino regular pode ser dar como sendo o ensino autorizado na forma das leis em vigor, portanto, um ensino regular, é aquele que observar as leis e regulamentos estatuídos pelo Poder Público.
Com a entrada em vigor da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), que foi internalizada, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, com “status” de emenda constitucional, a garantia do direito à educação inclusiva se ampliou.
Isso porque, a Convenção ao tratar da educação inclusiva não prevê, como o faz a Constituição Federal, que essa se dê “preferencialmente” na rede regular de ensino.
COMENTÁRIOS: O direito a educação vem para garantir a todo ser humano condições de desenvolvimento de suas competências e habilidades e, ainda, possibilitar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Quando isso não acontece, não podemos afirmar que estamos diante de um processo educacional, por isso o decreto 10.502/20 trata da educação com equidade.
Ao revés, a CDPD impõe aos Estados Partes o dever de assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida (art. 24 da CDPD). Neste sentido, discute-se, inclusive, se houve uma derrogação tácita do art. 208, III, da Constituição Federal.
Diante desse cenário, a compatibilização desse dispositivo da Constituição com a Convenção veio inicialmente esboçada na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva de 2008 e aparece, de forma mais detalhada, posteriormente no Decreto n.º 7.611/11.
O referido Decreto regulamenta o art. 208, inciso III, da Constituição, os arts. 58 a 60 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), o art. 9º, § 2º, da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, e o art. 24 da CDPD.
O Decreto n.º 7.611/11, define o atendimento educacional especializado (AEE) como “o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente” (art. 2.º, caput), sendo prestado de forma “complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais” (art. 2.º, § 1.º, I).
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), conhecida também como Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n.º 13.146/15, principal legislação federal infraconstitucional sobre esse segmento populacional, segue o paradigma adotado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Com efeito, a LBI reproduz entre as obrigações do Poder Público a de assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar o “sistema educacional inclusivo e o aprendizado ao longo da vida” (art. 28, I) e também aprimorar os “sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena” (art. 28, II).
Embora a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência não vede expressamente as escolas especiais, em seu texto fica explícita a garantia do sistema educacional inclusivo em todos os níveis e a garantia de medidas de apoio individualizadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta da inclusão plena (art. 24, 1 e 2e). E esta interpretação vem esclarecida de forma minuciosa no Comentário Geral n.º 4 do Comitê de Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, responsável por realizar a interpretação autêntica da Convenção.
O Comitê prevê a possibilidade dessa coexistência de forma temporária. Isso porque, a Convenção nesse ponto teria uma eficácia progressiva, de modo a impor a obrigação concreta e permanente de proceder da maneira mais rápida e eficaz possível para alcançar a plena aplicação do art. 24, 1 e 2, que não é compatível com a manutenção de dois sistema educacionais: um sistema de educação geral e um sistema de educação segregado ou especial.
COMENTÁRIOS: A afirmação de que o ensino inclusivo e escolas de educação teriam uma coexistência temporária em razão da Convenção, não passa de uma intrepretação e, neste sentido, destaque-se o descrito no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Logo, a Constituição Federa no artigo 208, descreve no inciso III que: …atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino e, a Lei 9394/96, no artigo 58 descreve que: Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Estes dispositivos ainda em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, conforma a politica nacional de educação inclusiva descrita no decreto nº 10502/20.
Portanto, é possível a coexistência destes dois sistemas, enquanto os Estados Partes redefinem seu orçamento para educação, inclusive transferindo parte de seus orçamentos para o desenvolvimento da educação inclusiva. Essa coexistência, porém, deve ser de forma temporária, limitadas ao período de crise, necessárias e proporcionais, não discriminatórias e incluindo todas as medidas possíveis para reduzir desigualdades.
Além disso, de acordo com o Comentário Geral n.º 4, os Estados Partes devem implementar ou aprovar legislação em todos os níveis de acordo com o modelo de deficiência baseado nos direitos humanos que cumpra integralmente com o art. 24 da Convenção.
Neste sentido, o Decreto n.º 10.502/20 vai na contramão da Convenção e das obrigações que devem ser cumpridas pelo Brasil, pois ao invés de seguir buscando a eficácia progressiva do art. 24 para acabar com a coexistência destes dois sistemas, reafirma esta coexistência, incluindo ambos na diretriz e, prevê, inclusive, o financiamento dos dois sistemas (art. 14 do Decreto), deixando de alocar recursos orçamentários especialmente para o desenvolvimento da educação inclusiva.
Isto significa retroceder em mais de uma década de avanços em busca da efetivação da meta pela inclusão plena dos/as alunos/as com deficiência, década em que se ampliou as matrículas na escola regular e na qual chegamos, conforme o Censo Escolar de 2019(1)…
Nota de rodapé do autor: https://ibee.com.br/materia/decreto-10502-de-30-9-2020-institui-a-politica-nacional-de-educacao-especial-equitativa-e-com-aprendizado-ao-longo-da-vida/
…, a 1.090.805 alunos/as com deficiência em classes comuns e 160.162 alunos com deficiência em classes exclusivas, o que representa 87,20% de alunos com deficiência em classes comuns e 12,80% em classes especiais.
Destaque-se que a Convenção, à luz do art. 4.º, 1b, proíbe o retrocesso nos direitos, à exemplo do que preveem a Constituição Federal (art. 5º, §1º), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n° 591/1992, art. 2º.1), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – Decreto nº 678/92, art. 26) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador – Decreto nº 3.321/1999, art. 1º).
Não se nega que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva necessita de revisão e aprimoramento, especialmente no que tange aos apoios e a garantia da efetiva aprendizagem para alunos/as com deficiência. De fato, essas questões têm chegado às Defensorias Públicas dos diversos Estados do país, que têm tomado medidas judiciais e extrajudiciais para efetivação do direito à educação.
No entanto, a revisão e aprimoramento da Política não pode ser no sentido de retroceder mais de uma década de conquistas, reavivando, incentivando e financiando um sistema segregado e especial. Conforme apontado, essa revisão deve ser no sentido de aprimorar o sistema inclusivo, investindo de forma efetiva recursos orçamentários, para que tenha efetiva qualidade e não garanta só o acesso e permanência, mas principalmente a aprendizagem, havendo pesquisas científicas, na área de educação, que poderiam subsidiar este aprimoramento.
Além disso, há preocupação real de que a nova Política trazida pelo Decreto n.º 10.502/20 possa levar a discriminação com base na deficiência, fazendo com que as pessoas com deficiência sejam excluídas do sistema educacional geral sob a alegação de deficiência, contrariando a garantia assegurada no art. 24, 2b da Convenção.
Isso porque, o Decreto n.º 10.502/20 desestimula escolas comuns a matricularem pessoas com deficiência e dificulta o acesso desse grupo a uma vida independente. Assim, é condizente com a lógica contrária, de que a sociedade não precisa se esforçar para realizar a efetiva inclusão social do grupo, fazendo com que as pessoas com deficiência fiquem à margem da sociedade e permanecendo invisibilizados e segregados, em oposição ao modelo social adotado pela Convenção.
Ressalte-se, ainda, que o Brasil, além de ratificar a Convenção, ratificou também seu protocolo facultativo e, consequentemente, reconheceu a competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas, ou em nome deles, sujeitos à sua jurisdição, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado Parte (art. 1º do Protocolo Facultativo da CDPD)
Dessa forma, o não cumprimento das obrigações pelo Brasil, além de ensejar ações judiciais, como inclusive a já proposta Ação de Arguição de Preceito Constitucional (ADPF) n.º 751 pelo partido Rede Sustentabilidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), pode também ensejar comunicações a serem submetidas ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, levando a um constrangimento internacional para o país e a obrigação de cumprir com o previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Importante esclarecer que nas Observações finais sobre o relatório inicial do Brasil (2), há inclusive recomendação do Comitê sobre o Art. 24, o que demonstra que o Brasil deveria intensificar seus esforços na alocações de recursos para consolidar um sistema educacional inclusivo de qualidade e também implementar um mecanismo para proibir, monitora e sancionar a discriminação com base na deficiência e fornecer acomodações razoáveis e acessibilidade em todas as instalações educacionais.
Notas de rodapé do autor: (2) https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoespermanentes/cpd/documentos/relatorio-do-comite-da-onu-sobre-os-direitos-das-pessoas-comdeficiencia-traduzido-em-portugues. Acesso em 13 out. 2020
2.2. Da participação das pessoas com deficiência na elaboração das políticas públicas
Para além disto, não houve ampla e efetiva participação das pessoas com deficiência no processo de elaboração da nova política pública. A despeito de as pessoas com deficiência terem sido convidadas em alguns momentos para participar, especialmente nos últimos seis meses, até porque o país vive uma pandemia sem precedentes, não consta que houve qualquer convocação para participação ampla e efetiva das pessoas com deficiência, nem a realização de audiência pública de forma virtual. Importante que se diga, ainda, que a eventual participação de poucos representantes de alguns grupos de entidades de e para pessoas com deficiência não se coaduna com a relevância da matéria e o interesse que desperta na sociedade, profissionais que atuam na área da educação especial, sejam diretamente nas escolas ou realizando pesquisas, e, especialmente, nos movimentos de pessoas com deficiência.
Não por um acaso, já há, até o momento, dezenas de notas públicas divulgadas nos meios digitais de Associações de Pessoas com Deficiência, Confederação de Trabalhadores da Educação, Associação de Pesquisadores de Educação Especial e Núcleos de Pesquisa de Universidades, algumas delas contando com mais de uma centena de entidades apoiadoras, totalizando seguramente mais de 250 (duzentas e cinquenta) entidades que repudiam o Decreto n.º 10.502/2020, como se pode acessar no site do Grupo de Pesquisa Identidades, Deficiências, Educação e Acessibilidade (IDEA) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)(3) e no site do Projeto Inclusive – Inclusão e Cidadania(4).
Notas: (3) https://www.idea.ufscar.br/materiais/linha-do-tempo-das-politicas-em-educacao-especial. Acesso em 13 out. 2020.
(4) http://www.inclusive.org.br/arquivos/31958. Acesso em 13 out. 2020.
No próprio preâmbulo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência há referência expressa da importância da plena participação das pessoas com deficiência, “reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades […]”.
Além disso, entre as obrigações gerais assumidas pelo Brasil, a Convenção prevê que: Art. 4. […] 3. Na elaboração e implementação de legislação e políticas para aplicar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão relativos às pessoas com deficiência, os Estados Partes realizarão consultas estreitas e envolverão ativamente pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por intermédio de suas organizações representativas [grifo nosso].
Por fim, o art. 29.1b da Convenção prevê que os Estados Partes promovam “ativamente um ambiente em que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na condução das questões públicas, sem discriminação e em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e encorajar sua participação nas questões públicas”. Daí extrai-se o lema “nada sobre nós sem nós”.
3. DA SUSTAÇÃO DOS EFEITOS DO DECRETO N.º 10.502/20: INCONSTITUCIONALIDADE, INCONVENCIONALIDADE E ILEGALIDADE
De acordo com o art. 49, inciso V, da Constituição Federal, compete ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.
Veja-se que o Decreto n.º 10.502/2020, ao prever como diretriz a oferta do atendimento educacional especializado (AEE) em classes e escolas regulares inclusivas, mas também em classes e escolas especializadas ou classes e escolas bilíngues de surdos a todos que demandarem esse tipo de serviço (arts. 6º, I), e ao colocar as classes e escolas especializadas como uma opção a classes e escolas regulares inclusivas (arts. 6º, IV e art. 9º, III), contraria a Constituição Federal de 1988 (art. 208, III), a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 24, 1 e 2e), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54, III) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (arts. 27 e 28, I), tornando-se INCONSTITUCIONAL e ILEGAL.
Isso porque, como exposto acima, o Decreto n.º 10.502/2020 viola diretamente a garantia do acesso ao sistema inclusivo em todos os níveis e o aprendizado ao longo de toda a vida para as pessoas com deficiência.
Ademais, como apontado, o Decreto n.º 10.502/2020 é INCONSTITUCIONAL também por violar o art. 4.3 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pela falta de participação, ampla e efetiva, das pessoas com deficiência, sociedade e profissionais na sua elaboração.
Por fim, o Decreto n.º 10.502/2020 é, ainda, INCONSTITUCIONAL e INCONVENCIONAL por violar o princípio da vedação ao retrocesso, previsto na Constituição Federal (art. 5º, §1º), no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 2º.1), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 26) e no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador – Decreto n.º 3.321/1999, art. 1º), vez que regride na implantação da política de educação inclusiva.
Impõe-se, assim, a sua sustação, nos termos do art. 49, V, da Constituição Federal de 1988, haja vista que o Decreto n.º 10.502/2020 claramente exorbita do poder regulamentar ao contrariar diversas normas de hierarquia superior no ordenamento jurídico.
4. CONCLUSÃO
Portanto, deve ser aprovado o regime de urgência no Projeto de Decreto Legislativo n.º 433 (Requerimento 2.549/2020) e, ao final, após análise nas duas Casas do Congresso Nacional, serem APROVADOS os Projetos de Decreto Legislativo n.º 427/2020, 429/2020, 430/2020, 431/2020, 433/2020, 434/2020, 435/2020, 436/2020, 440/2020, 445/2020 e 449/2020 todos da Câmara dos Deputados, e 437/2020 e 437/2020 do Senado Federal, a fim de que seja sustado o Decreto n.º 10.502/2020, por exorbitar o poder regulamentar.
Cumpre frisar que eventual proposta de Política Nacional de Educação Especial deve ser elaborada com plena e efetiva participação das pessoas com deficiência, a fim de efetivar o princípio da participação popular reafirmado pelo lema “nada sobre nós sem nós”, e devem estar em total consonância com o disposto na Constituição Federal, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no Estatuto da Pessoa com Deficiência e na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Diante do exposto, convicta da necessidade de garantir os direitos das pessoas com deficiência, a ANADEP e o CONDEGE agradecem o apoio e atenção dispensados, colocando-se à disposição para contribuir com o debate relacionado à matéria e prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários.